22/02/11

«Coma comida. Coma pouco. Sobretudo vegetais.»

Aprender a comer
Escutamos os conselhos de especialistas em nutrição, lemos livros e artigos sobre dietas e alimentação, analisamos à lupa os rótulos das embalagens, dissecamos nutrientes, contamos calorias. Ainda assim, não sabemos o que comer. Baralhado com o excesso de informação, o jornalista Michael Pollan decidiu investigar o assunto e acabou por escrever o livro Comer Bem - As 64 Regras de Ouro. A obra só chega amanhã às bancas, mas a nm antecipa-lhe alguns dos princípios a adoptar. Da escolha dos alimentos, passando pela conservação e confecção, até à ingestão.

 O que devo comer?
 Evite produtos alimentares que contenham ingredientes que nenhum ser humano normal teria na despensa.
Diglicerídeos etoxilados? Celulose? Goma xantana? Propionato de cálcio? Sulfato de amoníaco? Se não está disposto a cozinhar com isto, porque é que há-de deixar que outros usem estes ingredientes nos pratos que cozinham para si? O arsenal químico dos cientistas alimentares serve para aumentar as datas de validade, para fazer alimentos antigos parecerem mais frescos e mais apetitosos do que são, e para o levar a comer mais. Independentemente de estes aditivos fazerem mal à saúde, muitos deles só recentemente entraram na nossa alimentação.

Evite produtos alimentares que se gabem dos benefícios para a saúde
Isto parece que não faz sentido, mas pense: para um produto ter escrito na embalagem que faz bem à saúde, é porque tem uma embalagem. Portanto, logo à partida é mais provável que seja um alimento processado e não integral. Além disso, só os gigantes da indústria alimentar têm recursos para garantir a aprovação da FDA (Food and Drug Administration, a autoridade de saúde dos EUA para os medicamentos e alimentos) para fazer propaganda às qualidades saudáveis dos seus produtos.
Regra geral, são os produtos da ciência alimentar moderna que mais se dizem saudáveis, muitas vezes com base em investigações incompletas ou, por vezes, erradas. Lembre-se de que a margarina foi um dos primeiros alimentos industriais a dizer-se mais saudável do que o alimento tradicional que substituía, e acabou por se saber que ela contém gorduras trans, que causam ataques cardíacos.
Os alimentos mais saudáveis que encontramos nos supermercados - os frescos - não se gabam de ser saudáveis, porque quem os cultivou não tem orçamento nem embalagens para isso. Não presuma que o silêncio dos inhames é sinal de que eles não têm nada de valioso a dizer sobre a sua saúde.

Coma apenas alimentos que podem apodrecer
Quando um alimento apodrece, o que é que isso quer dizer? Normalmente, quer dizer que os fungos e as bactérias e os insectos e os roedores, com quem competimos por nutrientes e por calorias, chegaram lá antes de nós. O processamento dos alimentos começou por ser uma forma de lhes prolongar o prazo de validade, protegendo-os daqueles concorrentes. Normalmente, isso consegue-se tornando os alimentos menos apetecíveis para eles, extraindo os nutrientes que os atraem, ou retirando outros nutrientes com tendência a ganhar bolor, como os ácidos gordos ómega-3.
Quanto mais processado for um alimento, maior será o seu prazo de validade e, em princípio, menores serão as suas características nutritivas. A comida a sério está viva - e, portanto, acaba por morrer (há certas excepções a esta regra: por exemplo, o prazo de validade do mel mede-se em séculos).

Coma apenas alimentos cozinhados por seres humanos
Se vai deixar que outros cozinhem por si, mais vale que os outros sejam seres humanos e não empresas. Regra geral, as empresas metem sal, gordura e açúcar a mais na comida, bem como conservantes, corantes e outras bio-invenções, e também visam a imortalidade dos produtos alimentares.

Que tipo de comida devo comer?
 Coma sobretudo vegetais, especialmente as folhas. Os cientistas podem não concordar em relação ao que os vegetais têm de melhor. Os antioxidantes? As fibras? Os ácidos gordos ómega-3? Mas numa coisa estão todos de acordo - os vegetais provavelmente fazem mesmo bem, e mal não fazem de certeza. Há dúzias de estudos a mostrar que uma dieta rica em vegetais e fruta reduz o risco de morrer de todas as doenças ocidentais: nos países em que as pessoas comem meio quilo ou mais de vegetais e fruta por dia, a taxa de incidência do cancro é metade da que se regista nos Estados Unidos.
Além disso, ao seguir uma dieta baseada sobretudo em vegetais, irá consumir muito menos calorias, visto que os alimentos vegetais - com a excepção das sementes, incluindo os grãos e as oleaginosas - costumam ser menos «energeticamente densos» do que as outras coisas que come. (E consumir menos calorias protege-o de muitas doenças crónicas.) Os vegetarianos são substancialmente mais saudáveis do que os carnívoros, e vivem mais tempo.

Coma a cores
A ideia de que um prato saudável tem de incluir várias cores é um bom exemplo de um mito antigo que acaba por ter bases científicas. As cores de muitos vegetais reflectem os vários fitoquímicos antioxidantes que contêm - antocianinas, polifenóis, flavonóides, carotenóides.
Muitos destes compostos ajudam a proteger de doenças crónicas, cada um à sua maneira. Por isso, a melhor protecção é uma dieta que contenha o maior número possível de fitoquímicos.

 Não ignore os peixinhos oleosos
O peixe selvagem é das coisas mais saudáveis que se pode comer. No entanto, muitas espécies de pescado selvagem estão à beira do colapso devido à pesca não-sustentável. Evite os grandes peixes do topo da cadeia alimentar - o atum, o peixe-espada, o tubarão -, porque são espécies ameaçadas, e porque muitas vezes contêm elevados níveis de mercúrio.
Felizmente, algumas das espécies mais saudáveis de peixe selvagem, entre as quais a cavala, a sardinha e a anchova, têm populações bem controladas, e em alguns casos até abundantes. Estes peixes gordos constituem escolhas particularmente acertadas. Como reza um provérbio holandês: «Uma terra com muito arenque não precisa de muitos médicos.»

Coma doces tal como os encontra na natureza
Na natureza, os açúcares estão quase sempre associados a fibras, que abrandam a sua absorção e lhe dão uma sensação de saciedade sem ter ingerido muitas calorias.
É por isso que vale mais comer uma peça de fruta do que beber o respectivo sumo. (Regra geral, as calorias ingeridas sob a forma líquida engordam mais porque não nos fazem sentir cheios. Os seres humanos são dos poucos mamíferos que, depois de desmamar, continuam a obter calorias a partir de líquidos.) Portanto, não beba os seus doces, e lembre-se: um refrigerante saudável é coisa que não existe. Coma as porcarias todas que quiser desde que seja você a cozinhá-las
Não há mal nenhum em comer doces, fritos ou pastéis, nem sequer em beber um refrigerante de vez em quando. No entanto, graças à indústria alimentar, estas guloseimas que antigamente eram caras e difíceis de produzir são hoje tão baratas e tão simples de fazer que as comemos todos os dias.
A batata frita só se tornou no vegetal mais popular do mundo ocidental quando a indústria alimentar assumiu a tarefa de lavar, descascar, cortar e fritar as batatas - e de limpar a cozinha depois. Se fosse você a fazer as batatas fritas que come, não as comeria tantas vezes, quanto mais não fosse por causa da trabalheira que dão.
O mesmo acontece com o frango frito, as batatas de pacote, os bolos, as tartes e os gelados. Coma estas guloseimas sempre que tiver paciência para as confeccionar - é bem provável que isso não venha a acontecer todos os dias.

Como devo comer?
Pague mais, coma menos
Há muitos anos que o sistema alimentar ocidental dedica as suas energias a aumentar a quantidade e a reduzir o preço, em vez de melhorar a qualidade. Não se pode fugir ao facto de que os alimentos de maior qualidade - em termos de gosto ou de valor nutritivo (o que muitas vezes é a mesma coisa) - são mais caros, porque foram cultivados ou criados de uma forma menos intensiva e com mais cuidados.
Nem todos têm dinheiro para comer bem, o que é uma vergonha. No entanto, a maior parte dos americanos tem essa possibilidade: em média, gastam menos de dez por cento dos seus rendimentos em comida, uma taxa inferior à dos cidadãos de qualquer outro país. À medida que o custo da comida foi baixando nos EUA, em termos tanto do preço como do esforço necessário para a levar à mesa, os americanos passaram a comer muito mais (e a gastar mais em cuidados de saúde). Gastando mais dinheiro em comida de melhor qualidade, provavelmente comia-se menos e tinha-se mais cuidado com ela. E, se essa comida de maior qualidade souber melhor, será preciso comer menos para se ficar satisfeito. Prefira a qualidade à quantidade, a experiência alimentar às meras calorias. Ou, como as avós costumavam dizer, «antes pagar ao merceeiro que ao médico».

Pare de comer antes de se sentir cheio
Hoje em dia achamos normal e correcto comer até nos sentirmos cheios, mas muitas culturas aconselham explicitamente a parar muito antes de atingirmos esse ponto. Os japoneses têm um ditado - hara hachi bu - segundo o qual se deve parar de comer quando se está oitenta por cento cheio. A tradição aiurvédica, na Índia, recomenda comer até se estar 75 por cento cheio; os chineses especificam os setenta por cento, e o profeta Maomé descreveu uma barriga cheia como aquela que tem um terço de comida, um terço de líquidos - e um terço de ar, ou seja, de nada. (Note-se a margem relativamente pequena sugerida por todos estes conselhos: algures entre 67 e oitenta por cento. Escolha a percentagem que preferir.)
Há igualmente uma expressão alemã segundo a qual «temos de atar o saco antes de ele ficar cheio». E quem é que nunca ouviu as avós dizerem que uma pessoa se deve «levantar da mesa com um bocadinho de fome»? Também aqui os franceses podem ter alguma coisa a ensinar. Em inglês, diz-se «I"m hungry» («estou esfomeado»). Em francês, a expressão usada é «j"ai faim» («tenho fome»). Quando se acaba de comer, não se diz «estou cheio», diz-se «je n"ai plus faim», ou seja, «já não tenho fome». Esta é uma forma completamente diferente de se pensar na saciedade.
Portanto: não pergunte «estou cheio?», mas sim «já me passou a fome?». Esse momento chegará algumas dentadas mais cedo.

Coma quando tem fome, não quando está aborrecido
Para muitas pessoas, comer tem muito pouco que ver com a fome. Comemos por tédio, para passar um bom bocado, para nos confortarmos ou recompensarmos. Tente estar ciente de porque é que está a comer, e questione se tem mesmo fome - antes de comer e durante a refeição. (Um teste à maneira antiga: se não tem fome para comer uma maçã, é porque não tem fome nenhuma.) A comida é um antidepressivo que sai caro.

Cozinhe
Teoricamente, para a sua saúde tanto faz ser você a cozinhar o que come como outra pessoa. Mas, a menos que tenha dinheiro para pagar a um cozinheiro privado que prepare as suas refeições exactamente de acordo com as suas instruções, permitir que outros cozinhem para si representa perder o controlo sobre a sua alimentação, tanto ao nível das doses como ao nível dos ingredientes.
Cozinhar o que come é a única forma segura de tirar das mãos dos cientistas e da indústria alimentar o controlo da sua dieta, e de garantir que está a comer alimentos a sério e não substâncias comestíveis pseudo-alimentares, cheias de óleos prejudiciais à saúde, de xarope de milho rico em frutose, e de quantidades exageradas de sal.
Não é de surpreender que o declínio no número de pessoas que cozinham em casa acompanhe de perto o aumento da obesidade. A investigação científica sugere que as pessoas que cozinham têm mais probabilidade de ter uma alimentação saudável.

Quebre as regras de vez em quando
A obsessão pelas regras alimentares faz mal à felicidade, e possivelmente também à saúde. A nossa experiência ao longo das últimas décadas sugere que fazer dieta e ter muitas preocupações com a alimentação não nos tornou mais saudáveis nem mais magros; é importante cultivar uma atitude descontraída em relação à comida.
Haverá dias de festa em que vai ter vontade de atirar estas regras pela janela. Não será o fim do mundo. O que interessa não são os dias de festa, é a prática quotidiana - os hábitos rotineiros que orientam a sua alimentação num dia normal. «Em tudo se deve aplicar a moderação», costuma dizer-se. Mas não devemos esquecer-nos desta sensata observação, por vezes atribuída a Oscar Wilde: «Até na moderação.»

Distinguir comida a sério de comida a fingir
Baralhado com tanta «literatura» sobre alimentos e alimentação, o jornalista Michael Pollan percebeu que era incapaz de responder à pergunta «O que devo comer?». Vai daí, meteu mãos à obra e começou uma investigação que durou dois anos e da qual resultou o livro Saber Comer - As 64 Regras de Ouro, uma edição Lua de Papel.
Uma obra a ler por todos os que querem distinguir os alimentos a sério - os que devemos escolher - dos inúmeros produtos «alimentares» que também se encontram nas prateleiras dos supermercados mas que não devem entrar no nosso carrinho de compras, na nossa despensa e muito menos no nosso prato. Entre as contradições das ciências da nutrição e os interesses económicos da indústria alimentar opte pela sua saúde: «Coma comida. Coma pouco. Sobretudo vegetais.»
fotoNotícias Magazine-20/02/11


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